20 anos de "Jagged Little Pill", disco que mudou a carreira de Alanis Morissette
Por Lucas Scaliza
Ela já tinha lançado dois discos, Alanis (1991) e Now Is The Time (1992), mas nada perto das 33 milhões de cópias que seu disco seguinte venderia no mundo todo. Tinha só 21 anos quando coescreveu as músicas que fariam parte de Jagged Little Pill - que mudaria de vez a sua carreira. Além disso, sendo uma canadense de Ottawa, Alanis Morissette teve de lidar com o fato de entrar nas programações de rádio e competir por espaço, que já era usado por outras mulheres, como Sinéad O’Connor e Tori Amos, como se, para o mercado do entretenimento, houvesse uma cota para a promoção de cantoras. Questões de gênero que eram estranhas no meio da década de 1990 mas que, hoje, se tornam ainda mais relevantes.
O disco trouxe o rock alternativo de Alanis para o primeiro plano da música mainstream. Esse tipo de movimento – do nicho para as massas – é algo que sempre ocorreu na música: seja com os psicodelismos dos anos 60, o progressivo dos 70, o punk e a new wave de 70-80, o hip hop ou o grunge. No caso de Alanis, além do rock dela ser diferente do britpop que rolava na Europa e do grunge que tinha virado uma onda nos Estados Unidos, seu timbre de voz e interpretação vocal eram muito peculiares. “You Oughta Know”, seu primeiro monstruoso sucesso, já trazia todos esses elementos. (Mesmo assim, “Right Through You” é inegavelmente uma canção que deve muito ao grunge de Nirvana e Soundgarden).
Alanis foi chamada de “jovem angustiada” por algum tempo, tornando-se uma marca dela. Ela começou a colocar sua música no mundo ainda adolescente e com uma energia agressiva e até um pouco amarga, resquícios do grunge e do punk que se infiltravam na juventude daquela época. Jagged Little Pill conseguiu chegar ao grande público aproveitando muito bem toda a atitude que a cantora tinha de sobra, mas com um polimento especial do produtor Glen Ballard, que ajudou a escrever as músicas. Mas Ballard não podou Alanis. Ao que parece, canalizou suas potencialidades. O resultado foi um álbum de 12 faixas, sendo que seis se tornaram singles, e ficou em primeiro lugar no Canadá por 24 semanas. Nos EUA, 12 semanas como número um da Billboard 200.
Alanis Morissette ainda estava no ensino médio quando consegui o disco de platina com seu primeiro álbum e viu o segundo vender só metade do primeiro. Após se formar, trocou Ottawa por Toronto e mesmo assim não teve muito progresso. Deu um grande passo geográfico, indo para Los Angeles, a Meca do entretenimento. Foi um movimento arriscado: ela não tinha tanta grana assim e dormia nos sofás de amigos. Foi uma época difícil e está descrita em “Hand In My Pocket”. Ganhou a confiança de Ballard, que a ajudou e permitiu que usasse seu estúdio. Além das boas letras que ela compunha, sua capacidade vocal era – e continua sendo – impressionante, ainda mais para uma menina de apenas 19-20 anos. Claro que ela é do tipo que pode soar (e às vezes soava) histriônica a cada verso, mas ela aprendeu a domar o estilo de cantar e Jagged Little Pill é um ótimo exemplo de como isso começou a funcionar.
Ballard e Morissette escreviam e gravavam uma música por dia, mas sem fazer mais do que uma ou duas tentativas, para preservar o estilo natural da cantora, sem floreá-la demais. A gravação dos instrumentos que aparecem em cada música foi adicionado depois, usando as gravações demo da voz. O baixista Flea e o guitarrista Dave Navarro, ambos no Red Hot Chili Peppers na época, tocam em “You Oughta Know”. Uma curiosidade: Taylor Hawkings, do Foo Fighters, foi o baterista da turnê deste álbum.
A explosão causada pelo álbum catapultou Morissette para o topo da cadeia alimentar do pop entre 1995 e 1996. Com a internet pouco desenvolvida, era comum as pessoas se interessarem pela música dela mas só se darem conta de quem ela é de fato – de como se parece, qual o seu penteado, que roupas usa – ao vê-la ao vivo. Muitos novos fãs, a julgar por suas letras, achavam que a canadense teria um visual mais punk, mas na verdade ela era bem sóbria.
Existem dezenas de temas que são caros às mulheres e aos jovens de qualquer gênero no álbum, mas a sexualidade ali presente tinha ares de posicionamento político e espiritual, principalmente em “Forgiven”. Em uma entrevista para a Rolling Stone em novembro de 1995, Alanis, que vem de uma formação religiosa católica, diz que acabou rejeitando qualquer conceito de religião organizada, mas ainda tinha espiritualidade. “Quando estou no palco, é muito espiritual. Me sinto perto de Deus quando estou lá em cima”, ela diz. Contudo, conta que seus problemas com a igreja católica têm a ver com a repressão sexual. Jovem e indo à igreja todos os domingos, sua personalidade acabou dividida. “Eu era ativa e fazia mesmo coisas que eram sexuais quando era mais nova. Havia um lado meu que era louco e depravado, fazendo coisas que estavam a frente do meu tempo, e por outro lado eu era muito contida, querendo permanecer virgem como uma boa menina branca e católica”, ela disse há 20 anos.
Mas Jagged Little Pill não é sobre sexo e sexualidade (apenas). Há uma grande variedade de temas que para adolescentes da época eram extravasados em forma de música pela primeira vez. “O disco é a minha história”, disse Morissette. “Acho que ele discorre sobre as diferentes facetas de minha personalidade, uma delas sendo a sexual”.
O álbum foi indicado para nove prêmios Grammy e ganhou cinco, incluindo o de Álbum do Ano. Ela tinha apenas 21 anos na época e era a artista mais jovem até então a ganhar o prêmio. Ela manteve esse título por 14 anos, até Taylor Swift, aos 20 anos, levar a premiação com Fearless.
Passa no teste do tempo?
Jagged Little Pill é o tipo de álbum que precisa ser resgatado, o que já está acontecendo por parte das comemorações de seus 20 anos. Com o feminismo ascendente, é especialmente importante analisá-lo sob essa perspectiva. Em uma recente entrevista, Morissette revelou que não se deu conta até recentemente como o disco era um hino feminista. “Em termos de percepção do público sobre isso, só percebi depois. Não havia outra intenção além de fazer um disco que eu pudesse apoiar e amar. No que concerne o feminismo, acho que o que está acontecendo agora é que mais homens estão sendo convidados para essa jornada e, pelo menos eu, chamo isso de movimento feminino – tem a ver com adotar os aspectos femininos de nossa humanidade”.
Jagged Little Pill foi mais uma força no sentido de fortalecer aspectos alternativos no mainstream. No mesmo ano, na Europa, víamos Björk lançar Post e PJ Harvey com To Bring You My Love. Como Lucy Jones bem apontou na NME, o álbum também abriu caminho para outras cantoras que usavam a própria vida como base para suas letras, como Christina Aguilera e Taylor Swift. E não há como deixar de citar Avril Lavigne, que ano depois seria a próxima jovem revelação do rock canadense, conhecida também pelo apelo pop e por escrever as próprias letras e músicas.
Mas o maior teste do tempo é retornar a um álbum e reparar se ele ainda fala, de algum modo, sobre o nosso presente. As pressões, os problemas e as angústias de um jovem (de qualquer sexo), e de uma mulher mais especificamente, continuam sendo as mesmas que Alanis relatou 20 anos atrás. Qualquer adolescente ou jovem-adulto que voltar a Jagged Little Pill vai descobrir um disco que terá muito a ver com o que ocorre ao seu redor e dentro de sua cabeça ainda hoje. Sendo assim, não há como não passar no teste.
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