DISCOS: NEW ORDER (MUSIC COMPLETE)
NEW ORDER
Music Complete
Mute US; 2015
Por Lucas Scaliza
Antes de escrever qualquer linha sobre Music Complete, o novo disco do New Order, eu tive o cuidado de ouvir novamente toda a discografia da banda. Embora seja até esperado que a banda, ao longo de trinta anos, tenha alguns discos mais vistosos que outros, não posso afirmar que tenha identificado um único disco que não tenha me agradado no geral. Mesmo que o New Order seja “preso” aos anos 80 e eu mesmo eleja como meu preferido o Brotherhood (1986), digo inclusive que se deram muito bem nos anos 90 (Republic, de 1993, é outro dos meus preferidos) e com os últimos lançamentos.
O desafio dos últimos quinze anos para a banda é exatamente o mesmo do A-ha, outra banda egressa dos 80’s, com o recém-lançado Cast In Steel: ser moderno e atual, mas soar como o som clássico do grupo. Trabalho difÃcil, mas extremamente bem cumprido pelo quinteto de Manchester. Music Complete é o melhor disco do grupo do novo milênio e todas as caracterÃsticas são facilmente identificáveis por fãs de longa data, assim como o público que for escutar a banda a partir de agora poderá ouvir algo que, sim, é calcado na sonoridade post-punk e dance anos 80, mas graças a todo o clima retrô da música alternativa atual, o álbum passa com sua afetação desapercebida. Para efeito de comparação, Every Open Eye, recém-lançado segundo disco dos jovens escoceses do Chvrches, pesa muito mais a mão na emulação do synthpop oitentista do que Music Complete.
“Restless” e “Singularity” abrem o disco muito bem, com animação e colocando qualquer pista para dançar, mas é “Plastic” a primeira que te transporta de verdade para aquele ambiente de clube noturno no passado ouvindo a música que se pensava que seria do futuro. Enquanto algumas músicas são mais eletrônicas, ricas em programações e sintetizadores (“Trutti Frutti”), outras são a especialidade do grupo: fazer soar eletrônico, mas percebemos que há seres humanos na cozinha da banda – Stephen Morris na bateria e Tom Chapman no baixo. As guitarras estão bem encaixadas e em nada atrapalham a pegada synthpop, contribuindo inclusive para a aparência orgânica de faixas como a ótima “Academic” e “Nothing But a Fool”, a faixa mais notadamente pop/rock de Music Complete. “The Game”, outro destaque, é, ao lado de “Plastic” e “Stray Dog”, a música que atesta como a banda ainda é capaz de fazer música boa, bem estruturada e criativa. “Stary Dog”, com vocal grave e profundo de Iggy Pop, é algo inédito na discografia do grupo.
A formação da banda ainda é, em sua maioria, a mesma de todos os discos anteriores. A falta notável é a do baixista Peter Hook, que excursiona por aà com uma banda própria. Music Complete é, aliás, o primeiro do New Order sem ele. Contudo, Tom Chapman segura legal a onda e faz tudo direitinho. O som e a criatividade caracterÃstica do grupo não foram afetados. Phil Cunningham, que assumiu guitarra e teclados quando Gillian Gilbert deixou o grupo em 2001, agora toca ao lado dela, aumentando as opções de instrumentos ao vivo. Outro fator que joga a favor dos ingleses é a presença constante de Bernard Summer. Aos 59, sua voz parece envelhecer muito lentamente, mantendo o mesmo timbre suave de antigamente e uma temperatura que combina muito bem com o clima mais animado dos últimos álbuns. Como Summer nunca foi o tipo de supervocalista cuja voz precisa de uma superdinâmica para funcionar – à Chris Cornell, por exemplo –, ele consegue cantar como sempre cantou, sem prejuÃzo técnico e sem exigir algo que não conseguiria reproduzir depois ao vivo.
É inegável que Get Ready (2001) e Waiting For The Siren’s Call (2005), assim como o disco de sobras Lost Sirens (2013), tinham um clima mais feliz do que o lado post-punk do grupo permitia que suas músicas fossem antigamente. E de fato esse lado mais amargo em roupagem pop fazia alguma falta, pois eram as forças por trás do clima de clássicos como “Blue Monday”, “Bizarre Love Triangle”, “The Perfect Kiss”, “Regret” e, claro, “Love Will Tear Us Apart”. Um dos pontos altos de Music Complete que faz qualquer fã abrir um sorriso é perceber que mesmo entre as faixas mais dançantes há algo de deslocado ou levemente desiludido. “Superheated”, a despedida do trabalho, chega mesmo a ser um pouco melancólica, mesmo com suas batidas firmes e ritmadas. A voz e a mixagem dessa faixa é de Brandon Flowers, do The Killers, um cara que está a vontade em qualquer sonoridade oitentista, como atesta tão bem o seu disco solo The Desired Effect.
Todos os cinco músicos contribuÃram para o resultado final do álbum. “People On The High Line”, o funk dançante, com piano house e vocais reforçados pela La Roux, teve seu pulso determinado por Chapman. Aliás, Chapman pode ser novato na banda, mas tem uma relação antiga com os colegas. Durante uma das pausa do New Order, ele foi o baixista do Bad Lieutnant, banda que também contava com Summer, Morris e Cunningham, além do reforço Alex James, do Blur. E se a participação do grupo e de convidados foi determinante para o sucesso do álbum, diremos que outro reforço de peso na composição e produção de duas faixas veio de Tom Rowlands, uma das metades do The Chemical Brothers. Ele ajuda na acelerada “Singularity” e na mais inventiva “Unlearn This Hatred”, com ritmo clubber e cheia de programações e sintetizadores criando a teia sonora.
Outra coisa que liga o New Order ao The Chemical Brothers foi a ideia de fazer um novo disco apenas se conseguissem mostrar o quanto são relevantes, ou, pelo menos, deixar claro que a intenção não era fazer músicas genéricas, e sim apresentar composições que a própria banda poderia se orgulhar de ter na discografia. Outra missão cumprida: cada faixa possui caracterÃsticas únicas e não identifico nenhuma que apenas sirva para preencher espaço no álbum. “Plastic”, “Astry Dog” e principalmente “The Game” ficando entre as mais criativas do repertório. Só há uma canção abaixo dos 5 minutos, tendo inclusive faixas que passam dos 6 e 7 minutos, indicando que o New Order realmente priorizou as composições, não a necessidade de singles (embora “Restless” seja um ótimo single, uma música em que se sente a mão dos músicos por trás de cada instrumento).
Que o nome Music Complete (“música completa”) não tenha nada a ver com mais uma possÃvel pausa do grupo ou intenção de não lançar mais nada, como se o catálogo da banda já estivesse completo. Não precisa ter nada novo para logo, o quinteto pode aproveitar para fazer shows e planejar outro disco, mas desde que seja feito com a mesma intenção que este: fazer a diferença.
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