Discos: Metallica (Hardwired…To Self-Destruct)
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Metallica retorna com as doze faixas mais esperadas do metal em 2016 |
"Hardwired... To Self-Destruct"
Blackened; 2016
Por Lucas Scaliza
São doze faixas. Talvez as doze faixas mais esperadas do heavy metal em 2016. Desde 'Death Magnetic' (2008) o Metallica não lançava um novo disco de inéditas. Bom, teve o 'Lulu' (2011) com Lou Reed, mas foi amplamente criticado em grande parte por ser um álbum incompreendido. O caso é que o Metallica não parou de trabalhar: fez seu próprio festival de metal, tocou com o G4 do thrash metal, fez uma turnê só com músicas escolhidas pelos fãs, lançou um filme-show, e foi tocar até na meca indie do Lollapalooza para provar que não é apenas uma banda de rock, mas sim um dos nomes mais populares e ainda respeitados da música pesada, transcendendo gerações.
E a espera valeu a pena. Hardwired… To Self-Destruct não é um disco com uma cara única, como mais uma experiência do Metallica. O álbum deriva um pouco de cada coisa que a banda já fez no passado. Não é à toa que o disco duplo abre com “Hardwired”, música thrash que volta a 1984, com ataques nervosos e secos às cordas da guitarra e do baixo. “Atlas, Rise” já traz uma proposta de metal mais moderno, misturando riffs, guitarras melódicas e a pegada inconfundível de Lars Ulrich na bateria, se fazendo presente em cada verso. Ou “Moth Into Flame” e “Now That We Are Dead”, que poderiam estar no 'Reload' (1997) que, apesar das críticas que alguns fãs ainda possam lançar ao álbum, foi uma forma de mostrar como o heavy metal deles poderia se atualizar, se transformar, e ainda ser interessante.
O que une todas as faixas de 'Hardwired… To Self-Destruct' é a intensidade de todas as faixas. Não há pausas para baladas e não há grandes momentos contemplativos, como em 'Death Magnetic'. Se há algo no disco que deverá agradar a qualquer fã da banda, de qualquer geração, é a pegada que os quatro músicos demonstram em suas posições. Robert Trujillo mantém o motor girando ao acompanhar os riffs de guitarra e tocar outras notas, mesmo que repetitivas, só para manter uma pulsação sempre forte. E os solos de Kirk Hammet são velozes e ainda contêm uma bela dose de wah-wah. Embora não inove muito em sua técnica e forma de se expressar com o instrumento, seus solos são sempre incendiários. Enquanto fraseados, seus podem não ser tão marcantes quanto outrora, mas não tenha dúvida de que ele mantém cada faixa dentro de uma escala metaleira.
Os vídeos divulgados até agora de bastidores deixam claro que Ulrich foi novamente o grande diretor por trás de cada faixa. Ele deixa o restante da banda trabalhar e criar o que precisa ser criado, mas dá seus pitacos e determina qual é ou qual poderia ser o andamento de cada música. E como Kirk Hammet perdeu seu celular em Copenhague com mais de 250 ideias de riffs, acabou não recebendo nenhum crédito de composição pelo álbum. É a primeira vez que isso acontece desde 1983, quando ele entrou na banda. Então, cada riff que você ouve é de James Hetfield. E ele não faz feio. Mesmo nos momentos menos inspirados, Hetfield coloca sua absurda coordenação entre mão esquerda, mão direta e voz em ação para cravar: este é um disco do Metallica e estas faixas todas tem a assinatura da banda em cada canto. Uma prova disso é “Dream No More”, que soa tanto como algo que a banda faria nos anos 2000 como uma referência à “Sad But True” na forma como é arrastada. E mais: voltam a citar o Cthulhu de H. P. Lovecraft, recuperando o Grande Antigo usado lá em 'Ride The Lightning' (1984).
Com exceção de “Hardwired”, todas as faixas estão acima dos cinco minutos, mas nem todas precisavam ser tão longas, já que não apresentam tanta variedade de ideias assim. “Halo Of Fire”, que passa dois oito minutos de duração, não chega a fazer feio, mas tem os solos menos inspirados do álbuns e, apesar de manter as boas bases arrastadas e vigorosas que são a grande marca e o grande trunfo deste novo trabalho do Metallica, não aproveita tão bem todo o espaço que tem. Compare a estrutura dela com o hino “Master Of Puppets” por exemplo. “Confusion”, por outro lado, abre o segundo disco mostrando uma excelente performance de Hammet e aquela pegada mais progressiva que o Metallica tem sem soar como o Rush ou como o Dream Theater, por exemplo. Mas poderia ter sido reduzida para manter-se mais focada. O mesmo vale para “ManUNkind”, coescrita por Trujillo, que tem ótimos momentos, mas tantos outros que poderiam ter sido resumidos.
Quando começaram a trabalhar no novo disco em 2014, o Metallica estava mais uma vez com Rick Rubin em estúdio. Contudo, foi Greg Fieldman que acabou realmente produzindo a banda ao lado de Hetfield e Ulrich, assumindo também as funções de mixagem e engenheiro de som. Como ele cuidou do processo quase todo que envolve desde a captação do som até a formatação final de cada canção, todas as faixas possuem uma sonoridade homogênea. As distorções estão robustas, mas não polidas demais, fazendo com que cada riff soe até um pouco seco. Isso faz com que o Metallica tenha um som bastante apropriado para 2016, mas guardando um pouco do feeling garageiro que exibiram de 'Kill ‘Em All' (1982) até o 'Black Album' (1990).
Hetfield não decepciona como cantor, seja pela idade e pela disposição ou pelo uso do drive e da garganta em notas mais altas e agressivas. Contudo, não mostra muita criatividade ao longa do álbum. Ele mais encaixa as letras nos versos e no espaço entre os riffs do que cria de fato uma linha melódica. Assim, reforça-se que o que realmente marca cada faixa é seu riff característico, não um verso ou refrão. Já Ulrich encaixa fraseados longos e ágeis de bateria em pelo menos três músicas para demonstrar o poder de fogo de seu kit (como em “Here Comes The Revenge” e “Now That We’re Dead”).
Apesar do vigor, do peso, dos ótimos riffs e de manter o nível metaleiro sempre alto, há pequenos maneirismo que vamos sacando e já entendendo que certos hábitos resistem na banda. Poderíamos estar falando do wah-wah em cada goddamit solo de Hammet ou dos vocais latidos de Hetfield, mas estou falando de algumas introduções. A fraca “Am I Savage” tem uma introdução que parece apontar para um certo tipo de música, mas acaba se resolvendo no mesmo padrão de rock pesado e arrastado de sempre. A intro de “ManUNkind” tem cara de Iron Maiden pós-'Brave New World', mas o clima que gera fica restrito aos segundos iniciais. “Murder One” parece apontar diretamente para “Sanatarium” nos primeiros 40 segundos, mas depois rende-se à fórmula. É uma música que serve de tributo para Lemmy Kilmister, do Motörhead, e felizmente não soa como Motörhead (não há porque transformar homenagem em cópia de estilo musical), porém soa como a versão mais acomodada do Metallica.
“Spit Out The Bone” fecha 'Hardwired… To Self-Destruct' com uma música longa e tão poderosa quanto “Damage”. É mais um thrash metal para facilitar o mosh e lembrar porque gostávamos do Metallica e porque valeu a pena acompanhá-los. Apesar de todas as mudanças que seus álbuns apresentaram ao longo dos anos, sempre houve uma energia e uma certa selvageria ao vivo que manteve a banda no topo entre as referências do heavy metal americano. E “Spit Out The Bone” tem tudo isso. Um lembrete das raízes do Metallica e do tipo de metal que mexe com as entranhas dos fãs.
'Hardwired… To Self-Destruct' tem o vigor e o pulso firme em grande escala que faltava à banda – ou que alguns fãs que não foram muito com a cara dos discos dos últimos 20 anos acharam que faltava. Talvez não seja o melhor disco de metal do ano, mas um dos mais aguardados e dos que satisfazem, daquele tipo em que os pontos positivos estão tão bem sedimentados que dá para relevar os negativos. E assim Hetfield, Ulrich, Hammet e Trujillo provam que possuem o que é preciso ter para ser uma grande, longeva e ainda boa banda de metal – e de quebra garantiram estádios lotados por mais 10 anos.
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