Saiba como é o show de Roger Waters que chega ao Brasil em outubro
Telão sensacional no show de Roger Waters em Lisboa |
É preciso resistir. Esse é o recado que ROGER WATERS quer passar na sua nova turnê “Us + them”, que está na Europa e chega ao
Brasil em outubro para oito shows no Rio, São Paulo, Brasília, Salvador, Belo
Horizonte, Curitiba e Porto Alegre. A política e a crítica aos políticos, aos
sistemas, aos conflitos armados e a condenação a toda forma de preconceito
sempre estiveram na agenda do Pink Floyd e de Waters. Basta lembrar a letra da
música que dá nome à nova turnê e que está no clássico álbum “Darkside of the
moon”, lançado pelo Pink Floyd em 1973: “Nós e eles/e afinal somos apenas
homens comuns/Eu e você/Só Deus sabe que não é isso que teríamos escolhido
fazer/“Adiante!”, ele gritou da retaguarda/E os homens da linha de frente morreram/E
o general sentou-se/E as linhas do mapa se moveram de um lado/para o
outro”.
Mas com o lançamento do seu mais recente álbum, o
muito bom “Is this the life we really want?” (2017), Waters volta ainda mais a
sua bateria para os vilões da contemporaneidade. Donald Trump? O presidente dos
Estados Unidos é protagonista do manifesto político do ex-integrante do Pink
Floyd. Ao seu lado, aparecem com destaque o presidente da Coreia do Norte, Kim
Jong-un, líderes políticos europeus e a guerra, sempre ela que mata as
crianças, os homens e as mulheres, redefine fronteiras, cria muros e separa
povos que deveriam estar unidos. Tudo, lembra Waters, por causa da ganância, do
dinheiro e da sede de poder.
Visivelmente emocionado com a reação do público já
perto do fim do segundo show na Altice Arena, em Lisboa, em Portugal, Waters
conclamou a todos a espalharem o amor. Ele vê o amor como uma das armas para
reduzir todas as fronteiras. E é importante lembrar que o nome da turnê também
pega carona no discurso do ex-presidente americano Barack Obama, que ao falar
da reforma da imigração no seu país disse que o nacionalismo não deveria ser
estabelecido por uma base entre “nós contra eles”.
O novo show de Waters é visualmente impressionante.
Com suas últimas turnês, em especial a monumental do “The Wall” (2010-13),
acostumamo-nos a ver o cantor entregar ao seu público mais do que música, mas
um espetáculo que deixe o espectador deslumbrado e sem saber para onde ver. E
Waters é mestre na arte de desviar o olhar para que, sem que você perceba, lá
está ele mascarado e tomando champanhe numa imagem do show. Ou surgem luzes que
encobrem outro truque no palco. Em outra distração, surge um porco voador
controlando por um drone. E mesmo num show “mais modesto” se for para comparar
com a da turnê anterior, Waters entrega um espetáculo visceral.
Se não há mais o enorme muro que era destruído na
turnê anterior, o público brasileiro terá a chance de ver um super telão. Na
realidade 16 telas que, juntas, formam dois telões que “rasgam” a arena ao
meio. Ele surge na segunda parte do show, após o tradicional intervalo de meia
hora (ao fim, incluindo a pausa, são 2h40min de espetáculo). Os fãs mais
atentos do Pink Floyd vão delirar quando ele surge, pois ele forma uma imagem
gigante da icônica fábrica do álbum “Animals”, lançado pelo Floyd em 1977,
aquele mesmo do porco flutuante que virou uma tradição das turnês do cantor
britânico.
O mega telão no meio do palco aproxima Waters e a
sua competente banda formada por músicos que o acompanham há muito tempo e/ou
participaram da gravação de “Is this the life we really want?” de todo o
público. É neste momento que ele dá o seu recado mais contundente criticando
Trump. Durante “Pigs (Three diferent ones)”, o presidente americano é exibido
na tela das formas mais ridicularizadas possíveis até que no fim são
reproduzidas suas frases com comentários racistas, misóginos ou contra
imigrantes. E no fim a plateia vai ao delírio com a frase escrita em português:
“O Trump é um porco”. Foi só o desfecho de sua ideia anterior, quando Waters e
a banda aparecem mascarados após a execução de “Dogs” e ele levanta um cartaz
com a frase: “Os porcos governam o mundo. Fodam-se os porcos”.
Tudo isso vira uma deixa para “Money” e sua letra
que trata da ganância, do poder e do aspecto sedutor exercido pelo dinheiro. Na
tela, inúmeros líderes políticos para vestirem a carapuça armada pelo cantor
inglês.
Na atual turnê, Waters faz com que o novo e o velho
atuem em harmonia. Como um Godard da música, faz um espetáculo de colagens em
que o espectador precisa pescar as referências ao que acontece no mundo e ao
próprio legado do Pink Floyd. Nada disso, porém, precisa ser uma obrigação ao
fã que paga o ingresso. Se for só pela música que ele pisará na arena, verá
excelentes canções do disco novo - e “Déjà Vu” é de uma imensa beleza - e os
clássicos que todo mundo quer ouvir. “Mother” e “Comfortably Numb”, por
exemplo, vem fechando todos os shows da turnê, que sempre abre com
“Breathe”.
Waters, por sinal, vem trabalhando com dois set
lists. Um principal com quatro músicas do recente álbum: além de “Déjà Vu”, tem
“The last refugee”, “Picture that” e “Smell the roses” E um alternativo com
sete canções do disco. Neste caso entram ainda “Wait for her”, “Oceans apart” e
“Part of me died”. Mas este set tem sido mais comumente usado quando há dois
shows na cidade. Caso de Merksem, na Bélgica, e Lisboa, em Portugal.
Além do telão, os fãs também verão um triângulo
gigante de luzes de onde sairá um arco-íris exatamente como na capa do “Darkside
of the moon”. Ele surge na dobradinha “Brain Damage/Eclipse”.
Mas é preciso voltar à ideia da resistência. Dentro
do manifesto que é o show “Us + Them”, Waters usa um miniset list dentro do
show só com músicas novas para falar de suas preocupações. Canta a dor dos
refugiados que morrem na travessia do mar na Europa em “The Last Refugee”, fala
da guerra e luta pelo dinheiro e o neofascismo em “Déjà Vu” (“O templo está em
ruínas/os banqueiros engordam/os búfalos se foram/e o topo da montanha é plano/A
fruta nos córregos são todas hermafroditas/Você inclina-se para a esquerda, mas
você anda à direita”) e mais uma vez os conflitos armados e torturas em “Picture
That”.
É o primeiro recado. Em seguida, Waters emenda com
a bela balada “Wish you are here”. Um leve conforto antes da sequência matadora
de “Another brick in the wall”, partes 2 e 3. No palco, surgem crianças com
capuzes pretos, vestindo uniformes laranjas com uma sequência numérica no
peito. Uniformes de presidiários em Guantánamo. No fim, elas retiram o uniforme
laranja para exibirem camisetas pretas com a frase “Resist”. A tendência é que
se repita isso no Brasil, com Waters usando crianças dos respectivos estados em
que ele for tocar. É algo comum em suas turnês.
Resistir ao poder econômico e político é preciso. E
no intervalo ele faz questão de lembrar e atirar para todos os lados com mensagens
no telão. Marck Zuckerberg ganha especial atenção: “Esse cara começou com um
horrível e misógino aplicativo em que os estudantes ranqueavam as garotas com
base na aparência delas. Agora, dez anos depois, ele é um multibionário que
começa a censurar a internet sozinho com dois caras que comandam o Google. Ele lentamente
está tentando eliminar qualquer site que não se conforma com a sua maneira consumista
de ver o mundo. Vocês podem ser nossos irmãos ou nosso “Big Brother”. Mas não
podem ser ambos”.
Waters ainda fala em resistir ao antissemitismo e à
discriminação religiosa e étnica e cita a política israelense, que “discrimina
os palestinos com base em sua religião e etnicidade”. O neofascismo surge com Waters
citando Trump, o primeiro ministro da Hungria, Viktor Orban, a francesa Marine
Le Pen, o político austríaco Sebastian Kurz, o político britânico Nigel Farage
e o russo Vladimir Putin como exemplos de extrema direita. E é tentador
especular se essa lista será atualizada com algum político brasileiro durante a
sua passagem pelo país em pleno mês das eleições.
Guerras, alianças com déspotas e tiranos, Waters
lança diversos petardos. Lembranças de que não podemos nos acostumar a viver “confortavelmente
entorpecidos”. Tanto que ao fim dos acordes de “Comfortably Numb”, os papéis
que caem do teto vêm com a inscrição “resistir”.
Aos 74 anos, Waters ainda tem fôlego para brigar
por um mundo melhor. E sua arma é a música e um espetáculo absolutamente
impecável.
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