DISCOS: Chris Cornell (Higher Truth)
Chris Cornell / Higher Truth
Vocalista do Soundgarden aposta em estilo percussivo e acerta no alvo |
CHRIS CORNELL
Higher Truth
UMG Recordings; 2015
Por Lucas Scaliza
Para muita gente, Chris Cornell tem uma das vozes mais bonitas (e potentes) do rock. Um timbre que ajudou a moldar o que seriam as vozes do grunge. Além disso, é um bom letrista e compositor, sem medo de dar um passo mais para lá ou mais para cá. Por isso, é sempre salutar vê-lo gravando quando o Soundgarden não está na ativa, mesmo que seja em participações especiais, como fez no último disco do Zac Brown Band. Sua carreira solo, embora não tão famosa quanto sua banda, já está bem estabelecida e, no que depender de seu novo disco, também está bem variada.
Higher Truth não tem nada do eletrônico que dominou Scream (2009), e tão pouco é um álbum de rock alternativo como o excelente Carry On (2007) ou de rock mais direto como Morning Euphoria (1999). Dessa vez, Cornell troca a guitarra pelo violão, as batidas e viradas fortes de bateria por um estilo mais percussivo. Higher Truth soa como um disco acústico, como se canções originalmente elétricas de uma banda roqueira fossem transpostas para um formato com percussão, baixo, teclado e piano, violão e uma guitarra elétrica e com overdrive para ajudar a dar mais punch a determinadas passagens. Com uma pegada mais folk, ele substitui solos, riffs e power chords por dedilhados e levadas que só funcionam bem no violão.
O resultado geral é muito satisfatório. Parece que estamos ouvindo velhas canções conhecidas com outra roupagem, mas é tudo inédito. Essa impressão já vem com a superbem arranjada “Nearly Forgot My Broken Heart”. “Dead Wishes”, na sequência, é quase um country com um daqueles refrãos que nos convidam a cantar junto a plenos pulmões (e o próprio Cornell usa vocalizações que demonstram sua segurança e abrangência vocal). Já “Before We Disappear” parece um pop romântico, enquanto “Josephine” é um western de violão, voz e orquestração.
Com 16 faixas (sendo uma delas um remix), o disco alterna canções de maior pressão sonora, como as ótimas “Higher Truth”, “Our Time In The Universe” e “Wrong Side” (uma das melhores), e outras mais econômicas, como “Let Your Eyes Wander”, “Circling” e a linda “Misery Chain”. Mesmo com tantas músicas, nenhuma fica abaixo da média ao ponto de merecer não entrar no disco. Vamos dizer que Chris Cornell quis fazer seu dinheiro valer a pena e entregou o máximo de músicas novas que foi capaz. Enquanto alguns lutam para conseguir dez composições dignas, ele dá quinze de uma vez.
Os arranjos são muito bem escolhidos. “Only These Words” não usa bateria, e nem precisa. As batidas rápidas nas cordas do violão criam toda a percussão que a faixa precisa. Some a isso um uso bastante consciente do piano e do teclado e terá outra das músicas mais legais do álbum. Aliás, Cornell e o produtor Brendan O’Brien (que cuidou da voz dele em Revelations, do Audioslave) não convidaram nenhum baterista para as gravações. O cantor usou loops programados de bateria e O’Brien depois apenas acrescentou alguma percussão que sentiu ser necessária. Talvez por causa do ar folk/country do disco, quase não dá para perceber as batidas eletrônicas. Mas ouça atentamente as poderosas “Worried Moon” e “Murderer of Blue Skies” que notará. (Em “Our Time In The Universe” está mais aparente).
Após ouvir diversas vezes o trabalho, diria que parece um cruzamento entre os últimos discos solos de Warren Haynes, Ashes & Dust, e de Mark Lanegan, Phantom Radio (2014). Um tanto de bluegrass e sonzeira western com nuances mais roqueiras, mas sem precisar de peso e distorção, deixando um vozeirão soar.
Higher Truth mostra Cornell em grande forma, como cantor e compositor. É sabido que o Soundgarden em breve lançará um novo disco e não dá para esperar pouca coisa. Mas por hora, Cornell conseguiu ser ele mesmo sem precisar repetir sons que já experimentara no passado. É um artista que não larga o grunge (há muito dessa postura em seus álbuns todos), mas não tem medo de ser pop, romântico, mais sulista, mais Ãntimo e até digitalmente moderno (como Scream já mostrou).
Embora questões de gosto pessoal possam pesar na avaliação do material, no geral dá para afirmar com segurança que Chris Cornell continua muito bom no que faz, sem pontos baixos. Ah, e ainda possui uma das melhores vozes que o rock nos deu.
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