Radiohead encanta fãs no Brasil e mostra que não tem público para estádios
Thom Yorke promovendo viagens sonoras no Brasil [Foto: Vinicius Pereira] |
O Radiohead encerrou sua passagem pelo Brasil no domingo, dia 22, com um show memorável no Allianz Parque em São Paulo. Em toda a sua história, foi apenas a segunda passagem da banda inglesa pelo país, matando a saudade de fãs que compareceram ao evento de 2009 e emocionando tantos outros que puderam conferir o potencial do grupo no palco pela primeira vez.
O Soundhearts Festival tomou o cuidado de rechear o dia da
apresentação do Radiohead com outras atrações, como o grupo de música oriental
Junun [com participação de Jonny Greenwood] e o DJ e produtor Flying Lotus,
além da banda brasileira Aldo The Band. Foram todas atrações alternativas,
nenhuma grande conhecida do público e nem dotada do mesmo hype que a reunião dos
Los Hermanos teve em 2009, ajudando a vender ingressos para o show da banda de
Thom Yorke na época. E mais uma vez o Radiohead provou ser uma megabanda, dona
de uma megaestrutura, mas sem público de mesmo porte no país.
As arquibancadas do estádio do Palmeiras e a pista premium só foram ficar visivelmente cheias
perto da hora do show da banda principal. Boa parte do público ignorou o
caráter de festival do Soundhearts e não deu chance para outras atrações, que
mereciam atenção.
O Radiohead, que subiu ao palco pouco depois das 20h,
impressionou pela qualidade do som, pela energia da banda ao vivo, pelo
incrível jogo de luzes e utilização do telão oval. A delicada “Daydreaming”
abriu o show transformando o palco em um diamante, graça a um belo jogo de
luzes difusas e projeções etéreas. “Ful Stop”, logo na sequência, mostrou a
faceta de som mais denso do grupo, empolgando desde os primeiros acordes. “Weird
Fishes/Arpeggi” fizeram o público mostrar empolgação, gritando junto do backing vocal de Ed O’Brien, criando um
dos melhores momentos de interação da plateia com a banda. Hits como “Let Down”
e “No Surprises” também ganharam acompanhamento apaixonado do público no
estádio. Thom Yorke, que dançou, pulou e entregou performances memoráveis,
pouco se comunica diretamente com o público sem ser por meio de seus versos,
mas ao final de “No Surprises” mandou: “Ninguém faz nada por ninguém, e quem
faz vai para a cadeia. No alarms and no
surprises. Assim nada nunca muda.”
Conhecida por suas músicas mais tristes e emocionais, o
grupo deixou todos em transe durante a lúgubre “Pyramid Song”, a sofisticada “Everything
In Its Right Place”, a linda “All I Need” e a sensível “Present Tense”. “Nude”
mostrou como Thom Yorke é um vocalista capaz, segurando notas altas e longas
como na gravação original. Quem tentou cantar junto com ele viu como a música
demanda do cantor. “Lotus Flower” colocou boa parte do público para dançar e os
arroubos sonoros de “2+2=5”, “Exit Music [for a Film]”, “There There” e a
roqueira “Bodysnatchers” foram correspondidos como esperado pelo público: refrões cantados em uníssono, mãos para o alto e muitos pulos.
Ao longo do show Ed O’Brien foi se provando como um dos
músicos mais carismáticos no palco. Jonny Greenwood, sempre quieto em seu
canto, entregou sua performance multifacetada: ia da guitarra para o
sintetizador, tocou piano e tambor, tocou guitarra com um arco de cello em “Pyramid Song” e por duas vezes tratou
sua Fender como se tentasse dar partida em uma motosserra.
Embora algumas músicas estejam fixas no repertório da banda,
outras vêm e vão, conforme a vontade da banda, fazendo com que cada show tenha
a sua setlist própria. Em São Paulo, a grande surpresa foi “You And Whose Army”,
a pesada balada do Amnesiac que
ganhou um acompanhamento no telão totalmente focado em um dos olhos de Thom
Yorke, dando uma impressão distópica à canção. Já o dedilhado
inicial de “My Iron Lung” – outra música que nunca se sabe quando a banda vai
tocar – fez os presentes no estádio paulista exortarem a canção, vinda lá do The Bends.
Embora seja um show de 26 canções e 2h20 de duração, é claro
que ficam faltando algumas preferidas do público. Cada um presente no
Soundhearts no domingo tinha uma ou duas músicas que esperava ouvir. No final
das contas, o Radiohead entregou tantos bons momentos com o repertório que
escolheu para São Paulo que qualquer “falta” foi compensada por um show que
emocionou milhares e empolgou outros tantos. No segundo bis, após o hit “Paranoid
Android”, todos já se preparavam para o grand
finale certo com “Karma Police”, uma dobradinha que estava sendo feita em
todos os shows na América do Sul. Mas eis que Thom e banda resolveram
surpreender todo mundo e trocaram a última balada por “Fake Plastic Trees”. Não
tocaram “Creep”, mas também não fez falta.
A banda tem canções mais roqueiras, mais sentimentais, mais
experimentais e mais eletrônicas em seu catálogo. Fazem questão de reproduzir
tudo ao vivo e sem a ajuda de bases pré-gravadas executadas por computador. É
por isso que os irmãos Jonny e Colin Greenwood às vezes largam seus instrumentos
de cordas e aparecem tocando instrumentos de teclas cheios de botões, por
exemplo. E mesmo quando o som fica carregado de timbres sintéticos, você
percebe a energia ao vivo e vê a mágica ocorrendo na sua frente. Nunca fica a
impressão de que há sons saindo dos PAs que não estão no controle dos músicos
no palco.
Assim, mais uma vez, o Radiohead encanta seu público. No Sounhearts
Festival provam aos brasileiros que são sim uma banda de estádio, seja em performance
ou potência sonora. O que a banda parece não ter é público brasileiro suficiente
para encher um campo de futebol.
Flying
Lotus promove viagem extra-sensorial
Flying Lotus [Steven Ellison] impressionou no Soundhearts
Festival. Quem não chegou a tempo de vê-lo perdeu uma experiência sensorial sem
precedentes. O DJ e produtor [também conhecido por trabalhar com o jazzista
Thundercat e com o rapper Kendrick Lamar] tocou preso em uma redoma de luzes e
projeções 3D que dispensavam o uso de óculos.
O ângulo era importante. Das arquibancadas do Allianz Parque
não era possível ter a noção exata do efeito que ele e sua produção criaram,
mas quem pôde vê-lo mais de perto ou bem de frente embarcou numa viagem
psicodélica e surreal. Imagens e animações coloridas e vibrantes eram
projetadas simultaneamente numa tela atrás e na frente do DJ. Combinado com as
batidas fortes de suas mixagens eletrônicas, foi um show hipnotizante e
riquíssimo em texturas.
FlyLo colocou o público para dançar [e fritar olhos e
cérebro] com um remix de “King Kunta”, de Lamar, e com “Friendzone”, do amigo
Thundercat. Fez um impressionante mash-up com a música tema do seriado
americano Twin Peaks e a música do clássico
anime japonês Ghost In The Shell. “Never
Catch Me” e “Zodiac Shift” são músicas do próprio músico que, reforçadas pelo
pesadíssimo aspecto visual da apresentação, mandaram o público do estádio para
outra dimensão.
Junun
conquista com alegria e muito ritmo
De todas as atrações do Soundhearts Festival, o grupo Junun
era com certeza o mais alternativo e o menos conhecido do público. É música pop
do oriente médio, do tipo que já seria exótico mesmo num ambiente de festival
free jazz, imagine então em um festival com um DJ e duas bandas de rock
alternativo.
O grupo é a união dos talentos do israelense Shye Ben Tzur
com os músicos indianos do Rasjasthan Express e o guitarrista do Radiohead,
Jonny Greenwood. É uma exploração pelos ritmos alegres e ricos da música árabe
e indiana que, ao vivo, colocou muita gente na pista para dançar. Ben Tzur liderou
o grupo, assumindo os vocais e a guitarra, esbanjando carisma. Greenwood tocou
baixo e guitarra, mas ficou na sua, ali no meio do palco, deixando os holofotes
para o israelense e para os outros músicos, todos vestidos de preto com
turbantes coloridos.
De longe, esse é o grupo que menos teria chances de chegar
ao Brasil se não fosse pelo Soundhearts Festival. O público pode até não se
interessar a princípio e nem conhecer. Afinal, nem mesmo fãs do Radiohead
estavam antenados no som do grupo, nem por curiosidade, mesmo com a presença de
Greenwood. Contudo, quem chegou cedo para vê-los saiu cativado. Os ritmos do
Rajasthan Express e a felicidade de Shye Ben Tzur são contagiantes. As letras
em hebraico, urdu e hindi não são uma barreira, já que as melodias transmitem emoção e intenção de sobra. A presença do famoso ocidental do Radiohead
desvanecia no meio de todos os músicos – e essa é a intenção de Greenwood,
deixar a música do conjunto conquistar o público, não sua imagem.
Comercialmente pode ter sido uma escolha arriscada e
estranha do festival, mas para um público com ouvidos para o diferente e sem
preconceitos [sobretudo aquele que ocorre antes de se ouvir do que se trata a
tal banda] percebeu que presenciar Junun foi como um presente do Soundhearts
para os brasileiros e latino-americanos.
Show catártico no Rio de Janeiro, dois dias antes
Por Tatyane Larrubia
Após nove anos de espera, o Radiohead voltou ao Brasil para dois shows, um no Rio de Janeiro e outro em São Paulo. A primeira apresentação aconteceu na última sexta, no Jeneusse Arena, casa de shows da zona oeste do Rio. Thom Yorke e banda deixaram os fãs brasileiros em completa catarse por duas horas e vinte e cinco minutos, através de vinte e sete músicas. Com apenas 13 minutos de atraso, “Daydreaming” inaugurou o set com um palco escuro e calmo. Com o fim da canção, luzes psicodélicas invadiram o palco, dando um gostinho do que viria pela frente.
Cada música tinha uma iluminação personalizada. O telão exibia todos os integrantes ao mesmo tempo. Ou nenhum deles. Ao lado do palco, uma equipe de pelo menos quinze pessoas comandavam máquinas que faziam esse show tecnológico acontecer. Enquanto isso, Thom Yorke performava e dava vida a todas as canções. De look jovem - blusa baby look, all star, calça skinny, cabelo com um “coque” - e energia inesgotável, o frontman do Radiohead dava a cada música um show à parte. Alternava entre performar ou tocar instrumentos como violão, piano, guitarra e teclado.
Após terminar a terceira canção do set, Thom agradeceu ao público pela presença em português. E, ao ver a reação da plateia ao ouvir “Obrigado”, repetiu a palavra pelo menos umas sete vezes seguidas. Era visível o entusiasmo e satisfação da banda ao tocar ali. O guitarrista Ed O’Brien, por exemplo, fez questão de deixar claro essa alegria. Sorria, acenava e inúmeras vezes fazia coração com as mãos para os fãs.
Para uma banda pouco convencional - no sentido sonoro do mainstream - foi incrível perceber a relação do público com os artistas. Pulavam, dançavam e interagiam com a banda durante todo o espetáculo. A platéia fez coro em quase todo o setlist. Mas a maior interação aconteceu no final, quando a banda voltou para dois bis. Sendo o primeiro com cinco músicas, entre elas “Idioteque” e “Lotus Flower”. O segundo bis, com quatro músicas, foi de emocionar. Começou com “True Love Waits” com apenas Tom e seu violão no palco.
A música foi seguida de “Present Tense”, já com a banda toda e uma iluminação caótica. Mas foi em “Paranoid Android” que toda a arena saiu do chão. O Radiohead encerrou o show com “Karma Police”, com uma mistura de calma e energia que só o Radiohead sabe conduzir. Foi um encerramento perfeito. Mesmo após a banda deixar o palco, o público continuou cantando “for a minute there, I lost myself”, na esperança de mais um bis. Mas não foi dessa vez.
Show catártico no Rio de Janeiro, dois dias antes
Banda levou fãs ao delírio no Rio de Janeiro [Foto: Vinicius Pereira] |
Após nove anos de espera, o Radiohead voltou ao Brasil para dois shows, um no Rio de Janeiro e outro em São Paulo. A primeira apresentação aconteceu na última sexta, no Jeneusse Arena, casa de shows da zona oeste do Rio. Thom Yorke e banda deixaram os fãs brasileiros em completa catarse por duas horas e vinte e cinco minutos, através de vinte e sete músicas. Com apenas 13 minutos de atraso, “Daydreaming” inaugurou o set com um palco escuro e calmo. Com o fim da canção, luzes psicodélicas invadiram o palco, dando um gostinho do que viria pela frente.
Cada música tinha uma iluminação personalizada. O telão exibia todos os integrantes ao mesmo tempo. Ou nenhum deles. Ao lado do palco, uma equipe de pelo menos quinze pessoas comandavam máquinas que faziam esse show tecnológico acontecer. Enquanto isso, Thom Yorke performava e dava vida a todas as canções. De look jovem - blusa baby look, all star, calça skinny, cabelo com um “coque” - e energia inesgotável, o frontman do Radiohead dava a cada música um show à parte. Alternava entre performar ou tocar instrumentos como violão, piano, guitarra e teclado.
Após terminar a terceira canção do set, Thom agradeceu ao público pela presença em português. E, ao ver a reação da plateia ao ouvir “Obrigado”, repetiu a palavra pelo menos umas sete vezes seguidas. Era visível o entusiasmo e satisfação da banda ao tocar ali. O guitarrista Ed O’Brien, por exemplo, fez questão de deixar claro essa alegria. Sorria, acenava e inúmeras vezes fazia coração com as mãos para os fãs.
Para uma banda pouco convencional - no sentido sonoro do mainstream - foi incrível perceber a relação do público com os artistas. Pulavam, dançavam e interagiam com a banda durante todo o espetáculo. A platéia fez coro em quase todo o setlist. Mas a maior interação aconteceu no final, quando a banda voltou para dois bis. Sendo o primeiro com cinco músicas, entre elas “Idioteque” e “Lotus Flower”. O segundo bis, com quatro músicas, foi de emocionar. Começou com “True Love Waits” com apenas Tom e seu violão no palco.
A música foi seguida de “Present Tense”, já com a banda toda e uma iluminação caótica. Mas foi em “Paranoid Android” que toda a arena saiu do chão. O Radiohead encerrou o show com “Karma Police”, com uma mistura de calma e energia que só o Radiohead sabe conduzir. Foi um encerramento perfeito. Mesmo após a banda deixar o palco, o público continuou cantando “for a minute there, I lost myself”, na esperança de mais um bis. Mas não foi dessa vez.
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