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Novo disco do Arctic Monkeys e a pergunta: Por que Alex Turner mudou tanto?

Novo disco do Arctic Monkeys é diferente de tudo o que a banda apresentou
Por Lucas Scaliza

Lembrem de Nick Cave! Esse é o melhor conselho que posso dar agora a quem precisa de um norte para tentar entender como Tranquility Base Hotel & Cassino, sexto álbum dos Arctic Monkeys, foi possível antes de sair vilipendiando o álbum. Mesmo entendendo a obra e o artista, é possível que o ouvinte continue não gostando ou achando que falta aquela força que até o mais suave (embora mais criativo] AM (2013) tinha em momentos como “R U Mine?” e “Arabella”. Mas a quem quer pelo menos entender, lembrem de Nick Cave.

Stanley Kubrick, o diretor de cinema, e o brasileiro Lô Borges estão entre as influências confessas de Alex Turner para o novo disco. Nick Cave não. Mas não se trata de observar como o quarteto inglês parece o compositor australiano, e sem de entender o percurso de um artista.

Tranquility Base Hotel & Cassino coloca o piano Vertegrand como base para suas 11 canções. Afinal, Turner compôs tudo nesse instrumento, que ganhou ao completar 30 anos. A guitarra de Jamie Cook não é usada mais como instrumento de ataque ou para riffs que ficarão em nossa cabeça, mas para contribuir com toda a sofisticação dos arranjos. Matt Helder pode estar contido em termos de força, mas precisou colocar a criatividade em funcionamento, já que toca de uma forma menos direta e rombuda do que já tocara antes. Helder é um baterista bom e versátil até, o que explica a escalação dele na banda formada por Iggy Pop e Josh Holmes. Com Nick O’Malley a história é diferente: o baixo é alto e melódico em toda a extensão do hotel e do cassino, conduzindo o ouvinte com uma pegada elegante e serpenteante por cada corredor e ao redor de cada mesa de 21. Em “American Sports” rivaliza de igual para igual com o Vertegrand e com a estrela do show, a voz de Turner.

O vocalista e guitarrista trocou a jaqueta de motoqueiro que ostentara no passado por uma roupinha vintage da grife Dior. Também já há algum tempo não frequenta as ruas e os pubs ingleses. Mora Hollywood Hills, um bairro de Los Angeles famoso por tantas outras celebridades do cinema, da música e da moda (Giselle Bundchen tem um puxadinho ali) que também moram na área. A obsessão com que Alex Turner tratou os temas de seu novo trabalho e até a construção da maquete do hotel que vemos na capa não são exclusividade dele. Há histórias e mais histórias de atores, diretores e músicos que foram tão fundo em seus devaneios que acabaram sendo consumidos por ele. Esse ambiente todo favorece o florescimento de excentricidades. Ele sabe disso e deixa claro em “Star Treatment”.


Falando diretamente agora: o sexto álbum do Arctic Monkeys sacrifica o rock, como diversas bandas de passado indie surgidas nos anos 2000 acabaram fazendo, mas não troca o estilo pelo pop. E por mais devaneios e excentricidades que possa ter – o que é a faixa “The World’s First Ever Monster Truck Front Flip” se não um exercício desses dois elementos? – Turner e os Arctic Monkeys não sacrificaram a musicalidade. Se AM, que vendeu mais de 1 milhão de cópias, tinha rock guitarreiro, levadas de R&B e uma abertura sonora ainda maior do que o apresentado em Suck It And See (2011), Tranquility Base dá um show de melodia, harmonias bem construídas e timbres irretocáveis para uma música que pretende ser melhor apreciado não em arenas ou estádios, mas em palcos menores e bem decorados, com aquela iluminação mais baixa. Como em um hotel. Ou cassino.

Tá, e onde entra o Nick Cave? Para quem não sabe, o Nick Cave, junto dos Bad Seeds, fizeram pós-punk do fim dos anos 70 até início da década de 1990. As poesias de Cave podiam ser sórdidas, proféticas, violentas, filosóficas e bonitinhas também, mas sempre havia um senso de perigo no ar, um clima meio sombrio. Mas Nick Cave não é um artista que deixasse de ser um músico e, como todo músico que não se limita por um rótulo e se interessa por sua arte, flertar com coisas diferentes é uma forma de manter o sangue circulando, de se desafiar, de colocar sentimentos para fora de uma forma que não era possível antes com a música que se fazia. Quando The Boatman’s Call saiu em 1996, vimos um lado mais sensível, e também mais carregado de piano, do australiano. É claro que alguns fãs e críticos estranharam a mudança, mas era inegável a qualidade da música contida naquele LP. Foi esperto quem percebeu que a psique e o jeitão soturno do cantor continuava ali, intocado. O que mudou foi apenas a expressão musical.

Em uma entrevista para a Rolling Stone, Turner não cita Cave, mas cita nominalmente David Bowie e John Lennon e como lhe agrada a forma como mudaram a forma de se expressar. Pronto! Aí está a chave de interpretação para Hotel & Cassino: Turner sentia que precisava tocar algo diferente para continuar sentindo tesão no que faz e a presença do piano em sua casa foi o estopim para se redescobrir como compositor. É totalmente justificável que muitos fãs queiram sentir aquelas emoções que só o rock do Arctic Monkeys poderia evocar em seus corações. Mas com tempo e um pouco de atenção ao que o novo disco traz, é possível ver que Turner se entrega e se expõe como nunca antes. E é claro que todos pararam para pensar sobre a citação dos Strokes logo no primeiro verso de “Star Treatment”, mas repararam também em quantos acenos existem para Leonard Cohen? Praticamente um em cada quarto do Tranquility Base.

É claro que Turner, Helders, Cooke e O’Malley querem que o público goste do novo produto – e aqui não falo apenas do álbum, mas este é o álbum em que Turner canta mais para si do que para os outros. E é só mais um saudável lançamento que divide as opiniões em meio a outros atrevimentos artísticos de nomes conhecidos, como Foo Fighters, Queens Of The Stone Age, Jack White, Noel Gallagher... Como se vê, Turner até toma o tema da ficção científica para imaginar um futuro, mas se escora nos ídolos do passado e mostra que está antenado mesmo é com o hoje.
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